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Rebaixamento em Aquíferos Confinados e Semiconfinados – Equações de Theis e Hantush-Jacob

No post de hoje, estudamos dois métodos básicos para modelagem de escoamento radial em águas subterrâneas. O post é acompanhado de dois materiais adicionais: uma planilha de Excel com os cálculos referentes ao Exemplo 1 e um notebook Mathematica (formato .nb) com os cálculos referentes ao Exemplo 2; ambos podem ser encontrados nesta pasta de Google Drive. (Programei o arquivo Mathematica usando a versão 13 do software; não tenho certeza se o arquivo é compatível com versões mais antigas.)

1. Rebaixamento em um aquífero confinado – Modelo de Theis

A primeira análise matemática de rebaixamento transiente foi proposta por C.V. Theis na década de 1930. Em seu trabalho, Theis e seu colega C.I. Lubin inspiraram-se na relação entre um escoamento hidrogeológico radial e um problema de propagação de calor na direção radial; a diferença, basicamente, é que a variável carga no problema hidrogeológico ocupa o lugar da variável temperatura no problema de transferência de calor.

Há uma série de hipóteses simplificadoras importantes na análise de Theis, entre as quais temos:

  1. O aquífero está confinado no por baixo e por cima.
  2. Não há fontes de recarga para o aquífero.
  3. O aquífero é compressível e a água é liberada instantaneamente à medida que o gradiente hidráulico diminui.
  4. O poço é bombeado a uma taxa constante.

Figura 1. Aquífero confinado – Modelo de Theis.

No modelo de Theis, supomos que o sistema tem origem (r = 0) no centro do poço de bombeamento e um ou mais poços podem ocorrer a diferentes distâncias radiais do poço de bombeamento, como mostra a Figura 1. A carga h(r,t) do sistema varia segundo a equação diferencial parcial

\displaystyle \frac{{{{\partial }^{2}}h}}{{\partial {{r}^{2}}}}+\frac{1}{r}\frac{{\partial h}}{{\partial r}}-\frac{S}{T}\frac{{\partial h}}{{\partial t}}=0\,\,\,(1)

onde S e T são o coeficiente de armazenamento e a transmissividade do aquífero, respectivamente. Podemos substituir a carga h(r,t) pelo rebaixamento s(r,t), que é dado por

\displaystyle s\left( {r,t} \right)={{h}_{0}}-h\left( {r,t} \right)\,\,\,(2)

onde h0 é a carga inicial. Aplicando a transformação acima na equação (1), vem:

\displaystyle \frac{{{{\partial }^{2}}s}}{{\partial {{r}^{2}}}}+\frac{1}{r}\frac{{\partial s}}{{\partial r}}-\frac{S}{T}\frac{{\partial s}}{{\partial t}}=0\,\,\,(3)

As condições de contorno propostas por Theis e Lubin são simples. Primeiramente, o rebaixamento deve ser nulo no início da observação, isto é, quando t = 0:

\displaystyle s\left( {r,t=0} \right)=0\,\,\,(4)

Ademais, o rebaixamento a uma distância muito grande do poço de bombeamento deve ser nulo:

\displaystyle s\left( {r\to \infty ,t} \right)=0\,\,\,(5)

A vazão de bombeamento é nula antes do início da observação,

\displaystyle Q=0\,\,\text{quando}\,\,t<0\,\,\,(6)

e constante ao longo da observação:

\displaystyle Q=\text{cte}\text{.}\,\,\text{quando}\,\,t\ge 0\,\,\,(7)

Finalmente, a seguinte relação deve ser válida:

\displaystyle \underset{{r\to 0}}{\mathop{{\lim }}}\,\left( {r\frac{{\partial s}}{{\partial r}}} \right)=-\frac{Q}{{2\pi T}}\,\,\,;\,\,\,t\ge 0\,\,\,(8)

Sendo assim, a solução para (3) é:

\displaystyle s\left( {r,t} \right)={{h}_{0}}-h\left( {r,t} \right)=\frac{Q}{{2\pi T}}\int_{{y=u}}^{\infty }{{\frac{{{{e}^{{-y}}}}}{y}dy}}\,\,\,(9)

onde u é uma variável adimensional dada por

\displaystyle u=\frac{{{{r}^{2}}S}}{{4Tt}}\,\,\,(10)

É comum escrever (9) na forma condensada

\displaystyle s\left( {r,t} \right)=\frac{Q}{{2\pi T}}W\left( u \right)\,\,\,(11)

onde

\displaystyle W\left( u \right)=\int_{{y=u}}^{\infty }{{\frac{{{{e}^{{-y}}}}}{y}dy}}\,\,\,(12)

é uma integral exponencial que, no contexto do nosso problema, é conhecida como função de poço de Theis. Valores de W(u) para vários valores de u estão listados na Tabela 1. Munidos de W(u), podemos utilizar (11) e estimar rebaixamentos para quaisquer distâncias radiais r e tempos t. Para referência no exemplo 1, podemos escrever W(u) como uma série infinita:

\displaystyle W\left( u \right)=-0.5772-\ln \left( u \right)+u-\frac{{{{u}^{2}}}}{{2\times 2!}}+\frac{{{{u}^{3}}}}{{3\times 3!}}-\frac{{{{u}^{4}}}}{{4\times 4!}}+\left( {...} \right)\,\,\,\left( {13} \right)

Retendo apenas os dois primeiros termos e substituindo u com (10), obtemos uma equação simplificada:

\displaystyle W\left( u \right)=\frac{Q}{{2\pi T}}\times \left[ {-0.5772-\ln \left( {\frac{{{{r}^{2}}S}}{{4Tt}}} \right)} \right]\,\,\,(14)

Tabela 1. Função de poço de Theis, W(u).

Exemplo 1

Uma comunidade está instalando um novo poço em um aquífero regionalmente confinado com transmissividade igual a 495 m2/dia e coeficiente de armazenamento igual a 0.0007. A taxa de bombeamento planejada é de 200 m3/hora. Há vários poços nas cercanias da região de interesse, e os gestores locais querem saber se o novo poço interferirá com as instalações já existentes. Determine o abaixamento teórico causado pelo novo poço após 30 dias de bombeamento contínuo para as distâncias 15, 45, 75, 150, 300, 900, 1800 e 3000 m.

Solução. Tomemos, primeiramente, o rebaixamento a uma distância de 15 m do novo poço. Começamos computando a variável u:

\displaystyle u=\frac{{{{r}^{2}}S}}{{4Tt}}=\frac{{{{{15}}^{2}}\times 0.0007}}{{4\times 495\times 30}}=2.65\times {{10}^{{-6}}}

O valor de u mais próximo na Tabela 1 é u = 3\displaystyle \times 10-6, para o qual temos W(u) = 12.14. Em seguida, prosseguimos para calcular o rebaixamento teórico após 30 dias (equação (11)):

\displaystyle {{h}_{0}}-h=\frac{Q}{{4\pi T}}W\left( u \right)

Convertendo a vazão Q, temos Q = 200 \displaystyle \times  24 = 4800 m3/dia. Sendo assim:

\displaystyle {{h}_{0}}-h=\frac{{4800}}{{4\pi \times 495}}\times 12.14=9.37\,\text{m}

Ou seja, haverá um rebaixamento teórico de cerca de 9.4 metros a uma distância de 15 m do novo poço. Os cálculos para outras distâncias são análogos e podem ser automatizados via Excel. Lembre-se que podemos aproximar a função de poço com a equação (13):

\displaystyle W\left( u \right)=-0.5772-\ln u+u-\frac{{{{u}^{2}}}}{{2\times 2!}}+\frac{{{{u}^{3}}}}{{3\times 3!}}-\frac{{{{u}^{4}}}}{{4\times 4!}}+...

Na planilha de Excel que acompanha o artigo, retemos apenas os seis primeiros termos da série, que são mais do que suficientes para estimar os rebaixamentos com ótima precisão. O gráfico de rebaixamento versus distância, com uma escala logarítmica no eixo horizontal, é mostrado a seguir.

2. Rebaixamento em um aquífero semiconfinado gotejante – Modelo de Hantush-Jacob

Como sabemos, a maior parte dos aquíferos reais não está isolada de fontes de recarga, sobretudo na direção vertical. Aquitardes situados acima ou abaixo do aquífero podem transmitir água para o aquífero se o gradiente hidráulico for favorável (Figura 2). Mesmo em tais casos, o problema é tratável; uma solução foi proposta por M.S. Hantush na década de 1950. Para entender o problema de Hantush, considere o sistema ilustrado na Figura 2. Temos um aquífero com uma camada confinante por baixo e uma camada gotejante por cima. Hantush propôs as seguintes hipóteses em sua solução:

  1. Há um aquitarde no topo do aquífero.
  2. Acima do aquitarde, há um aquífero superior não-confinado.
  3. O lençol freático no aquífero S.N.C. é inicialmente horizontal.
  4. O lençol freático no aquífero S.N.C. não é rebaixado durante o bombeamento do poço.
  5. O escoamento de água no aquitarde é vertical.
  6. O aquífero é compressível e a drenagem de água em resposta a variações de carga é instantânea.
  7. O aquitarde é incompressível, de modo que nenhuma água é liberada pelo aquitarde enquanto o aquífero inferior alimenta o poço.
  8. O raio do poço estudado é desprezível se comparado ao raio da área de interesse. 

Figura 2. Aquífero semiconfinado – Modelo de Hantush-Jacob.

A hipótese 4, segundo a qual o lençol freático da camada superior não é rebaixado durante o bombeamento, não é sempre válida; especificamente, podemos considerá-la razoável quando

\displaystyle t<\frac{{{S}'{{{\left( {{b}'} \right)}}^{2}}}}{{10b{K}'}}\,\,\,(15)

ou

\displaystyle {b}''{K}''>100bK\,\,\,(16)

onde t é o tempo de bombeamento (em dias), S’ é o coeficiente de armazenamento do aquitarde (adimensional), b é a espessura do aquífero semiconfinado (geralmente m ou ft), b’ é a espessura do aquitarde (m ou ft), b’’ é a espessura saturada do aquífero superior (m ou ft), K é a condutividade hidráulica do aquífero confinado (geralmente m/dia ou ft/dia), K’ é a condutividade hidráulica do aquitarde (m/dia ou ft/dia) e K’’ é a condutividade hidráulica do aquífero superior (m/dia ou ft/dia).

Outra hipótese questionável é 7, segundo a qual o aquitarde sobrejacente ao aquífero semiconfinado não transmite água. De acordo com Hantush, esta hipótese é válida se o tempo de observação t obedecer a seguinte desigualdade:

\displaystyle t>\frac{{0.036{b}'{S}'}}{{{K}'}}\,\,\,(17)

onde t é dado em dias.

Uma última hipótese que pode não ser válida é a suposição de que o diâmetro do poço é desprezível se comparado à distância radial da área modelada. Em geral, essa hipótese é válida para tempos t tais que

\displaystyle t>\frac{{30r_{w}^{2}S}}{T}\left[ {1-{{{\left( {\frac{{10{{r}_{w}}}}{b}} \right)}}^{2}}} \right]\,\,\,(18)

onde rw é o raio do poço de bombeamento, S é o coeficiente de armazenamento do aquífero semiconfinado (adimensional) e T é a transmissividade do aquífero semiconfinado (geralmente m2/dia ou ft2/dia).

Satisfeitas as desigualdades pertinentes, podemos enunciar a solução de Hantush:

\displaystyle s\left( {r,t} \right)=\frac{Q}{{2\pi T}}W\left( {u,{r}/{B}\;} \right)\,\,\,(19)

onde s(r,t) é o rebaixamento a uma distância radial r do centro do poço em um tempo t, Q é a vazão de bombeamento, T é a transmissividade do aquífero semiconfinado e B é uma variável com dimensões de comprimento que chamamos fator de gotejamento:

\displaystyle B={{\left( {\frac{{T{b}'}}{{{K}'}}} \right)}^{{{1}/{2}\;}}}\,\,\,(20)

Finalmente, W(u,r/B) é a função de poço de Hantush-Jacob, a qual é definida por

\displaystyle W\left( {u,{r}/{B}\;} \right)=\int_{{y=u}}^{\infty }{{\frac{1}{y}\exp \left( {-y-{{{{r}^{2}}}}/{{\left( {4{{B}^{2}}y} \right)}}\;} \right)d}}y\,\,\,(21)

com u definida pela equação (10). Tabelas contendo valores de W(u,r/B) para vários valores de u e r/B podem ser encontradas em Hantush (1956) e no Apêndice C de Fetter (2018).

Exemplo 2

Suponha que o aquífero descrito no problema anterior não está completamente confinado, mas situado sob uma camada confinante permeável de 2.5 m de espessura com condutividade hidráulica vertical igual a 0.01 m/dia. A taxa de bombeamento continua sendo de 200 m3/hora ao longo de 30 dias. Nesse caso, quais serão os valores de rebaixamento esperados nas distâncias mencionadas no Exemplo 1? Suponha que o sistema satisfaz todas as desigualdades mencionadas na seção anterior.

Solução. A principal mudança em relação ao problema anterior é que o rebaixamento será dado não mais pela equação (11), mas pela equação (19):

\displaystyle {{h}_{0}}-h=\frac{Q}{{4\pi T}}W\left( {u,{r}/{B}\;} \right)

O valor de no presente caso é:

\displaystyle B={{\left( {\frac{{T{b}'}}{{{K}'}}} \right)}^{{{1}/{2}\;}}}={{\left( {\frac{{495\times 2.5}}{{0.01}}} \right)}^{{{1}/{2}\;}}}=352\,\text{m}

Como no problema anterior, tomamos como exemplo uma distância de 15 m do poço, de modo que u = 2.65\displaystyle \times 10–6. Para obter a função de poço de Hantush-Jacob, podemos usar o comando NIntegrate no Wolfram Mathematica:

Ou seja, W(u,r/B) = 6.55. Podemos prosseguir e computar o rebaixamento teórico:

\displaystyle {{h}_{0}}-h=\frac{Q}{{4\pi T}}W\left( {u,{r}/{B}\;} \right)

\displaystyle \therefore {{h}_{0}}-h=\frac{{4800}}{{4\pi \times 495}}\times 6.55=5.05\,\text{m}

Os cálculos para outras distâncias são análogos, mas nesse caso não podemos recorrer ao Excel porque este não fornece recursos para avaliação de integrais exponenciais. Todavia, isso não é problema para o Mathematica. Conforme mostra o arquivo .nb que programei, começamos definindo uma função para a função de poço:

Em seguida, digitamos a lista de distâncias:

Depois, computamos as funções de poço para cada distância usando o comando Table:

Resta calcular os rebaixamentos:

Combinamos distância e rebaixamento em um único vetor:

Por fim, plotamos rebaixamento versus distância usando o comando ListLogLinearPlot, que fornece uma escala logarítmica no eixo horizontal:

Eis o gráfico que buscamos:

Referências

  • FETTER, C.W. (2018). Applied Hydrogeology. 4ª edição. Long Grove: Waveland Press.
  • HANTUSH, M.S. (1956). Analysis of data from pumping tests in leaky aquifers. Transactions, American Geophysical Union, 37(6), 702 – 714.
  • PINDER, G.F. e CELIA, M.A. (2006). Subsurface Hydrology. Hoboken: John Wiley and Sons.

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