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Teoria de Adensamento Unidimensional de Terzaghi

A teoria que discutimos aqui remonta aos anos 1920, quando o célebre engenheiro austríaco Karl von Terzaghi publicou os primeiros resultados de sua pesquisa com adensamento de solos finos e saturados sob carregamento.

Uma teoria de adensamento tridimensional seria altamente complexa devido ao caráter heterogêneo de uma massa de solo. Sendo assim, supomos que a compressão e o fluxo de água são ambos unidimensionais. Incluímos ainda outras hipóteses simplificadoras importantes, quais sejam:

  1. O solo é homogêneo.
  2. O solo é saturado.
  3. A lei de Darcy é válida para o solo.
  4. As partículas de solo e a água dos vazios são incompressíveis.

Buscamos descrever a taxa de adensamento de um elemento de solo com espessura infinitesimal dz e seção dA = dxdy (Figura 1). O elemento recebe um fluxo de água vzdA, onde vz é a velocidade da água, ou seja:

\displaystyle {{q}_{{in}}}={{v}_{z}}dxdy\,\,\,(1)

O fluxo para fora do elemento, por sua vez, é:

\displaystyle {{q}_{{out}}}=\left( {{{v}_{z}}+\frac{{\partial {{v}_{z}}}}{{\partial z}}dz} \right)dxdy\,\,\,(2)

Figura 1. Elemento de solo.

Supondo que o solo é completamente saturado e as partículas de solo e água são incompressíveis, a lei de conservação da matéria exige que a diferença de fluxos seja igual à taxa temporal de variação do volume V do elemento. Matematicamente:

\displaystyle {{q}_{{out}}}-{{q}_{{in}}}=\frac{{\partial V}}{{\partial t}}

\displaystyle \therefore \frac{{\partial V}}{{\partial t}}=\frac{{\partial {{v}_{z}}}}{{\partial z}}dxdydz\,\,\,(3)

Mas o volume V é dado por:

\displaystyle V={{V}_{s}}\left( {1+{{e}_{0}}} \right)=dxdydz\,\,\,(4)

Onde Vs é o volume de sólidos e e0 é o índice de vazios inicial. Ademais, a variação temporal de volume pode ser exprimida em termos da variação do índice de vazios:

\displaystyle \frac{{\partial V}}{{\partial t}}={{V}_{s}}\frac{{\partial e}}{{\partial t}}\,\,\,(5)

Juntando (4) e (5):

\displaystyle {{V}_{s}}=\frac{{dxdydz}}{{1+{{e}_{0}}}},

\displaystyle \therefore \frac{{\partial V}}{{\partial t}}=\frac{{dxdydz}}{{1+{{e}_{0}}}}\frac{{\partial e}}{{\partial t}}

\displaystyle \therefore \frac{{dxdydz}}{{1+{{e}_{0}}}}\frac{{\partial e}}{{\partial t}}=\frac{{\partial {{v}_{z}}}}{{\partial z}}dxdydz

\displaystyle \therefore \frac{{\partial e}}{{\partial t}}=\left( {1+{{e}_{0}}} \right)\frac{{\partial {{v}_{z}}}}{{\partial z}}\,\,\,(6)

Mas, pela lei de Darcy, a velocidade vz é dada por:

\displaystyle {{v}_{z}}=\frac{k}{{{{\gamma }_{w}}}}\frac{{\partial {{u}_{w}}}}{{\partial z}}\,\,\,(7)

onde k é o coeficiente de permeabilidade do solo, \displaystyle {{\gamma }_{w}} \displaystyle \approx 9.81 kN/m3 é o peso específico da água e uw é a poro pressão. Diferenciando em relação a z, vem:

\displaystyle \frac{{\partial {{v}_{z}}}}{{\partial z}}=\frac{k}{{{{\gamma }_{w}}}}\frac{{{{\partial }^{2}}{{u}_{w}}}}{{\partial {{z}^{2}}}}\,\,\,(8)

Substituindo em (6):

\displaystyle \frac{{\partial e}}{{\partial t}}=\left( {1+{{e}_{0}}} \right)\frac{{\partial {{v}_{z}}}}{{\partial z}}=\frac{{\left( {1+{{e}_{0}}} \right)k}}{{{{\gamma }_{w}}}}\frac{{{{\partial }^{2}}{{u}_{w}}}}{{\partial {{z}^{2}}}}\,\,\,(9)

Mas \displaystyle \partial e = av\displaystyle \partial uw, onde av é o coeficiente de compressibilidade, ou seja:

\displaystyle \frac{{\partial e}}{{\partial t}}={{a}_{v}}\frac{{\partial {{u}_{w}}}}{{\partial t}}\,\,\,(10)

Substituindo em (9), temos:

\displaystyle \frac{{\partial e}}{{\partial t}}={{a}_{v}}\frac{{\partial {{u}_{w}}}}{{\partial t}}=\frac{{\left( {1+{{e}_{0}}} \right)k}}{{{{\gamma }_{w}}}}\frac{{{{\partial }^{2}}{{u}_{w}}}}{{\partial {{z}^{2}}}}

\displaystyle \therefore \frac{{\partial {{u}_{w}}}}{{\partial t}}=\frac{{\left( {1+{{e}_{0}}} \right)k}}{{{{a}_{v}}{{\gamma }_{w}}}}\frac{{{{\partial }^{2}}{{u}_{w}}}}{{\partial {{z}^{2}}}}\,\,\,(11)

Essa é a equação de adensamento unidimensional derivada por Terzaghi. Matematicamente, (11) é uma equação diferencial parcial parabólica. É comum condensar o fator multiplicativo no lado direito em um único parâmetro cv, conhecido como coeficiente de adensamento:

\displaystyle {{c}_{v}}=\frac{{k\left( {1+{{e}_{0}}} \right)}}{{{{a}_{v}}{{\gamma }_{w}}}}\,\,\,(12)

de modo que a equação pode ser reescrita como:

\displaystyle \frac{{\partial {{u}_{w}}}}{{\partial t}}={{c}_{v}}\frac{{{{\partial }^{2}}{{u}_{w}}}}{{\partial {{z}^{2}}}}\,\,\,(13)

Um último parâmetro que por vezes aparece na literatura é o coeficiente de compressibilidade volumétrica mv, que é simplesmente igual ao coeficiente de compressibilidade av dividido por 1 + e0:

\displaystyle {{m}_{v}}=\frac{{{{a}_{v}}}}{{1+{{e}_{0}}}}\,\,\,(14)

Substituindo em (12), temos:

\displaystyle {{c}_{v}}=\frac{{k\left( {1+{{e}_{0}}} \right)}}{{{{a}_{v}}{{\gamma }_{w}}}}=\frac{k}{{{{m}_{v}}{{\gamma }_{w}}}}\,\,\,(15)

Ou seja, o coeficiente de adensamento é igual à condutividade hidráulica do solo dividida pelo produto entre o coeficiente de compressibilidade volumétrica e o peso específico da água.

Como qualquer equação diferencial parcial, a solução da equação de Terzaghi exige a especificação de condições de contorno e uma condição inicial. Para facilitar a formulação do problema, seja Hdr a distância de drenagem da camada de solo. Consideramos duas possibilidades: (1) uma camada de solo com drenagem simples (Figura 2a); e (2) uma camada de solo duplamente drenada (Figura 2b).

Figura 2. Elementos de solo com (a) drenagem simples e (b) drenagem dupla.

Para uma camada de solo com drenagem simples, a distância de drenagem é igual à espessura da camada de solo, isto é, Hdr = H, e as condições de contorno são:

  1. Poro pressão em excesso igual a zero: u(z = 0,t) = 0
  2. Fluxo zero através da camada limite: \displaystyle \partial u(z = H, t)/\displaystyle \partial z = 0

A condição inicial é u(z,t = 0) = \displaystyle \Delta \displaystyle {{\sigma }_{z}}, para todo z \displaystyle \in  (0; H) em t = 0.

Para uma camada de solo duplamente drenada, a distância de drenagem é igual a metade da espessura da camada de solo, isto é, Hdr = H/2, e as condições de contorno são:

  1. Poro pressão em excesso igual a zero no topo: u(z = 0, t) = 0
  2. Poro pressão em excesso igual a zero no fundo: u(z = H, t) = 0

A condição inicial é u(z,t = 0) = \displaystyle \Delta \displaystyle {{\sigma }_{z}}, para todo z \displaystyle \in  (0; H) em t = 0.

A solução da equação de Terzaghi pode ser obtida por separação de variáveis. O resultado é:

onde

\displaystyle {{M}_{n}}=\left( {n+\frac{1}{2}} \right)\pi \,\,\,;\,\,\,n=0,1,2, etc\,\,\,(17)

e Tv é o chamado fator tempo:

\displaystyle {{T}_{v}}=\frac{{{{c}_{v}}t}}{{{{{\left( {{{H}_{{\text{dr}}}}} \right)}}^{2}}}}\,\,\,(18)

Definimos em seguida o grau de adensamento Uz(z,t), que é dado por:

\displaystyle {{U}_{z}}\left( {z,t} \right)=\left[ {1-\frac{{u\left( {z,t} \right)}}{{u\left( {z,t=0} \right)}}} \right]\times 100\%\,\,\,(19)

Substituindo u(z,t) e observando que u(z,0) = \displaystyle \Delta \displaystyle {{\sigma }_{z}}, obtemos o seguinte resultado:

O grau médio de adensamento \displaystyle {{\bar{U}}_{z}} é obtido se integrarmos o grau de adensamento de z = 0 até z = Hdr (altura de drenagem) e dividirmos o resultado por Hdr:

\displaystyle {{\bar{U}}_{z}}=\frac{1}{{{{H}_{{\text{dr}}}}}}\int_{0}^{{{{H}_{{\text{dr}}}}}}{{{{U}_{z}}\left( {z,t} \right)dz}}\,\,\,(21)

ou:

onde Mn e Tv são definidos por (17) e (18), como de praxe. O grau médio de adensamento é frequentemente escrito como uma porcentagem. A Figura 3 mostra a relação entre Tv e \displaystyle {{\bar{U}}_{z}}.

Figura 3. Relação entre fator tempo e grau médio de adensamento.

Duas aproximações são frequentemente utilizadas para computar o fator tempo. A primeira delas é válida para \displaystyle {{\bar{U}}_{z}} < 60% (ou seja, graus médios de adensamento menores que 60%):

\displaystyle {{T}_{v}}=\frac{\pi }{4}{{\left( {\frac{{{{{\bar{U}}}_{z}}\%}}{{100}}} \right)}^{2}}\,\,\,(23)

A segunda é válida para \displaystyle {{\bar{U}}_{z}} > 60%:

\displaystyle {{T}_{v}}=1.781-0.933{{\log }_{{10}}}\left( {100-{{{\bar{U}}}_{z}}\%} \right)\,\,\,(24)

A Tabela 1 quantifica a precisão da equação (23) como uma estimativa de Tv. A primeira coluna mostra um dado valor de \displaystyle {{\bar{U}}_{z}}; a segunda coluna mostra o valor aproximado de Tv obtido com a equação (23); a terceira coluna lista o valor correspondente de \displaystyle {{\bar{U}}_{z}} obtido através da equação (22) com cinco termos no somatório do lado direito; a quarta coluna fornece o erro relativo obtido com o uso da equação (23). Como mostra a tabela, o erro associado à aproximação (23) é pequeno para graus médios de adensamento maiores do que aproximadamente 10%.

Tabela 1. Precisão da equação (23).

A Tabela 2, por sua vez, quantifica a precisão da equação (24). Observe que o erro relativo é pequeno para todos os graus médios de adensamento listados.

Tabela 2. Precisão da equação (24).

Exemplo 1

O tempo necessário para obter 45% de adensamento em um oedômetro com uma amostra duplamente drenada de 25.4 mm de espessura é igual a 250 segundos. Encontre o tempo necessário para obter um grau médio de adensamento igual a 70% em uma camada de solo de 12 metros de espessura. A camada é composta pelo mesmo tipo de solo utilizado no oedômetro, e uma camada rígida impermeável ocorre logo abaixo do solo.

Solução. Sendo \displaystyle {{\bar{U}}_{z}} = 45% < 60%, o fator tempo pode ser calculado através da equação (23):

\displaystyle {{T}_{v}}=\frac{\pi }{4}{{\left( {\frac{{{{{\bar{U}}}_{z}}\%}}{{100}}} \right)}^{2}}=\frac{\pi }{4}\times {{\left( {\frac{{45}}{{100}}} \right)}^{2}}=0.159

Um oedômetro típico é duplamente drenado, de modo que o comprimento de drenagem é tal que Hdr = H/2 = 25.4/2 = 12.7 mm = 0.0127 m. Ajustando a equação (18), podemos obter o coeficiente de adensamento:

\displaystyle {{T}_{v}}=\frac{{{{c}_{v}}t}}{{{{{\left( {{{H}_{{\text{dr}}}}} \right)}}^{2}}}}\to {{c}_{v}}=\frac{{{{T}_{v}}{{{\left( {{{H}_{{\text{dr}}}}} \right)}}^{2}}}}{t}

\displaystyle \therefore {{c}_{v}}=\frac{{0.159\times {{{0.0127}}^{2}}}}{{250}}=1.03\times {{10}^{{-7}}}\,{{\text{m}}^{\text{2}}}\text{/s}

É conveniente exprimir o coeficiente de adensamento em m2/ano ao invés de m2/s:

\displaystyle \therefore {{c}_{v}}=1.03\times {{10}^{{-7}}}\,\frac{{{{\text{m}}^{2}}}}{\text{s}}\times 60\,\frac{\text{s}}{{\text{min}}}\times 60\,\frac{{\text{min}}}{\text{h}}\times 24\,\frac{\text{h}}{{\text{dia}}}\times 365\,\frac{{\text{dias}}}{{\text{ano}}}

\displaystyle \therefore {{c}_{v}}=3.25\,{{\text{m}}^{2}}\text{/ano}

Para um solo semelhante de 12 m de espessura com grau de adensamento igual a 70%, o fator tempo é (equação (24)):

\displaystyle {{T}_{v}}=1.781-0.933{{\log }_{{10}}}\left( {100-70} \right)=0.403

O tempo correspondente é:

\displaystyle {{T}_{v}}=\frac{{{{c}_{v}}t}}{{{{{\left( {{{H}_{{\text{dr}}}}} \right)}}^{2}}}}\to t=\frac{{{{T}_{v}}{{{\left( {{{H}_{{\text{dr}}}}} \right)}}^{2}}}}{{{{c}_{v}}}}

\displaystyle \therefore t=\frac{{0.403\times {{{12}}^{2}}}}{{3.25}}=17.9\,\text{anos}\leftarrow

A massa de solo requer 17.9 anos para atingir 70% de adensamento.

Exemplo 2

O tempo necessário para uma camada de argila atingir 70% de adensamento é 6 anos. Qual seria o tempo necessário para atingir o mesmo grau de adensamento se a argila fosse duas vezes mais espessa, quatro vezes mais permeável e cinco vezes mais compressível?

Solução. O tempo \displaystyle {{t}_{{70}}} necessário para a argila original atingir 70% de adensamento é:

\displaystyle {{T}_{v}}=\frac{{{{c}_{v}}{{t}_{{70}}}}}{{{{{\left( {{{H}_{{\text{dr}}}}} \right)}}^{2}}}}\to {{t}_{{70}}}=\frac{{{{T}_{v}}{{{\left( {{{H}_{{\text{dr}}}}} \right)}}^{2}}}}{{{{c}_{v}}}}

\displaystyle \therefore {{t}_{{70}}}=\frac{{{{T}_{v}}{{{\left( {{{H}_{{\text{dr}}}}} \right)}}^{2}}}}{{{{c}_{v}}}}=6\,\text{anos}

Usando a definição de coeficiente de adensamento (equação (15)), podemos reescrever:

\displaystyle {{t}_{{70}}}=\frac{{{{T}_{v}}{{{\left( {{{H}_{{\text{dr}}}}} \right)}}^{2}}}}{{{{c}_{v}}}}={{T}_{v}}{{\left( {{{H}_{{\text{dr}}}}} \right)}^{2}}\left( {\frac{{{{\gamma }_{w}}{{m}_{v}}}}{k}} \right)=6\,\text{anos}

Seja \displaystyle t_{{70}}^{*} o tempo necessário para a argila modificada atingir o mesmo grau de adensamento. Concluímos que:

\displaystyle t_{{70}}^{*}={{T}_{v}}{{\left( {2{{H}_{{\text{dr}}}}} \right)}^{2}}\left( {\frac{{{{\gamma }_{w}}\times 5{{m}_{v}}}}{{4k}}} \right)=5{{T}_{v}}{{\left( {{{H}_{{\text{dr}}}}} \right)}^{2}}\left( {\frac{{{{\gamma }_{w}}{{m}_{v}}}}{k}} \right)

\displaystyle \therefore t_{{70}}^{*}=5{{t}_{{70}}}

\displaystyle \therefore t_{{70}}^{*}=5\times 6=30\,\text{anos}\leftarrow

A argila modificada requer 30 anos para atingir 70% de adensamento. 

Referências

  • BUDHU, M. (2008). Soil Mechanics and Foundations. 3ª edição. Hoboken: John Wiley and Sons. 
  • KALIAKIN, V.N. (2017). Soil Mechanics: Calculations, Principles, and Methods. 1ª edição. Oxford: Butterworth-Heinemann.

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