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Curvas S-N e a Regra de Palmgren-Miner

Discussões acerca de mecânica de estruturas ao nível introdutório geralmente restringem-se a carregamentos de amplitude e frequência constante. Porém, estruturas de interesse prático não raro estão sujeitas a forças variáveis. Um carregamento variável, se repetido de modo sucessivo, pode rapidamente provocar a ruptura de um componente mecânico. De fato, a falha pode ocorrer sem que o carregamento variável tenha em momento algum excedido a tensão de ruptura do material; tudo o que precisamos é de um número suficientemente grande de ciclos de carregamento. Falhas por fadiga são eminentemente “sorrateiras” e constituem a causa de muitos acidentes envolvendo estruturas civis, automotivas, navais e aeroespaciais.

1. Definições

A Figura 1 mostra a história de um carregamento cíclico no decurso do tempo (Herzberg et al., 2013). A tensão associada ao carregamento varia entre um valor mínimo \displaystyle {{\sigma }_{{\min }}} e um valor máximo \displaystyle {{\sigma }_{{\max }}}. A soma \displaystyle {{\sigma }_{{\min }}} + \displaystyle {{\sigma }_{{\max }}} constitui a faixa de tensões, \displaystyle \Delta \sigma . A chamada tensão média \displaystyle {{\sigma }_{m}} é a média aritmética de \displaystyle {{\sigma }_{{\min }}} e \displaystyle {{\sigma }_{{\max }}}:

\displaystyle {{\sigma }_{m}}=\frac{{{{\sigma }_{{\max }}}+{{\sigma }_{{\min }}}}}{2}\,\,\,(1)

Temos ainda a amplitude de tensões:

\displaystyle {{\sigma }_{a}}=\frac{{{{\sigma }_{{\max }}}-{{\sigma }_{{\min }}}}}{2}\,\,\,(2)

Temos ainda a razão de tensões:

\displaystyle R=\frac{{{{\sigma }_{{\min }}}}}{{{{\sigma }_{{\max }}}}}\,\,\,(3)

Note que R é redundante quando possuímos \displaystyle {{\sigma }_{m}} e \displaystyle {{\sigma }_{a}}. Todavia, o valor de R é importante porque nos ajuda a caracterizar um carregamento variável com simplicidade.

Figura 1. Perfil de um carregamento cíclico.

2. Curvas SN

Dados do comportamento de uma estrutura em fadiga são frequentemente representados por curvas S-N. Uma curva SN é um gráfico da amplitude de tensão cíclica \displaystyle {{\sigma }_{a}}, no eixo vertical, versus o número de ciclos até falha N, no eixo horizontal. O eixo horizontal é sempre disposto em escala logarítmica, ao passo que o eixo vertical pode ou não sê-lo. (Alguns autores sugerem o uso da notação \displaystyle {{\sigma }_{A}}, com subscrito “A” maiúsculo, quando falamos de dados de uma curva SN, mas eu preferi não seguir este formalismo em nossa discussão.) A Figura 2a mostra o traçado de uma curva SN típica; observe que, a princípio, N decresce a medida que aumentamos o valor de \displaystyle {{\sigma }_{a}}, o que traduz-se no fato de que quanto maior for a amplitude de tensão, menor será o número de ciclos que a estrutura pode tolerar. Observe ainda que a curva eventualmente atinge um cotovelo e torna-se horizontal, indicando a existência de uma amplitude de tensão mínima abaixo da qual uma falha nunca ocorrerá, independentemente do número de ciclos. Tal valor de tensão é denominado limite de fadiga. A referida quebra na curva geralmente ocorre para um número de ciclos próximo de 106 (1 milhão). Não há dúvida de que este é um ponto de referência conveniente, mas uma parcela substancial de materiais, tais como certas ligas de alumínio, não apresentam uma quebra precisamente definida. Ao invés disso, a amplitude para falha continua a diminuir progressivamente à medida que o número de ciclos aumenta, como exemplifica a Figura 2b. Em tais casos, é comum tomar a amplitude de tensão referente a 2\displaystyle \times 106 ou 107 ciclos como uma medida de resistência à fadiga (Rösler et al., 2006).

Figura 2. (a) Curva S-N bem-definida; e (b) Curva S-N mal-definida.

Se uma curva SN for plotada em uma escala bilogarítmica, não raro observamos uma linha reta para N < 106. Nesse caso, a curva pode ser descrita pela lei de potência

\displaystyle {{\sigma }_{a}}=A{{N}^{{-b}}}\,\,\,(\text{4})

onde A e b são parâmetros obtidos por meio de ajuste de curva. A constante A é aproximadamente igual à resistência à tração do material. No caso de metais, a equação (4) é comumente escrita na seguinte forma, conhecida como equação de Basquin:

\displaystyle {{\sigma }_{a}}={{{\sigma }'}_{f}}{{\left( {2{{N}_{f}}} \right)}^{{-a}}}\,\,\,(5)

onde \displaystyle {{{\sigma }'}_{f}} é um coeficiente relacionado à resistência à tração do metal e \displaystyle a é um expoente que depende do material e da geometria da estrutura.

Exemplo 1

Obtenha os parâmetros para uma liga de alumínio descrita pela curva S-N da Figura 2b.

Solução. Note que o gráfico está em escala bilogarítmica e o segmento da curva para um número de ciclos menor que 106 é aproximadamente linear; portanto, podemos utilizar a equação (4). Um dos pontos da curva é (104, 600), ou seja:

\displaystyle {{\sigma }_{a}}=A{{N}^{{-b}}}\to 600=A\times {{\left( {{{{10}}^{4}}} \right)}^{{-b}}}

Outro ponto da curva é (106, 200), logo:

\displaystyle {{\sigma }_{a}}=A{{N}^{{-b}}}\to 200=A\times {{\left( {{{{10}}^{6}}} \right)}^{{-b}}}

Dividindo a primeira equação pela segunda e resolvendo para b, temos:

\displaystyle \frac{{600}}{{200}}=\frac{{A\times {{{\left( {{{{10}}^{4}}} \right)}}^{{-b}}}}}{{A\times {{{\left( {{{{10}}^{6}}} \right)}}^{{-b}}}}}

\displaystyle \therefore \frac{{600}}{{200}}={{\left( {\frac{{{{{10}}^{4}}}}{{{{{10}}^{6}}}}} \right)}^{{-b}}}

\displaystyle \therefore {{\log }_{{10}}}\left( {\frac{{600}}{{200}}} \right)=-b\times {{\log }_{{10}}}\left( {\frac{{{{{10}}^{4}}}}{{{{{10}}^{6}}}}} \right)

\displaystyle \therefore b=-\frac{{{{{\log }}_{{10}}}\left( {{{600}}/{{200}}\;} \right)}}{{{{{\log }}_{{10}}}\left( {{{{{{10}}^{4}}}}/{{{{{10}}^{6}}}}\;} \right)}}

\displaystyle \therefore b=0.239

Substituindo b em uma das duas equações iniciais e resolvendo para A, vem:

\displaystyle 600=A\times {{\left( {{{{10}}^{4}}} \right)}^{{-b}}}=A\times {{\left( {{{{10}}^{4}}} \right)}^{{-0.239}}}

\displaystyle \therefore A=\frac{{600}}{{{{{\left( {{{{10}}^{4}}} \right)}}^{{-0.239}}}}}=5420\,\text{MPa}

Sendo assim, a parte linear da curva SN é descrita pela lei de potência

\displaystyle {{\sigma }_{a}}=5420{{N}^{{-0.239}}}\,\,\,\leftarrow

Como sugere o exemplo acima, o uso de curvas SN já prontas é bastante simples; a obtenção destas, no entanto, pode constituir um processo laborioso de testagem mecânica e ajuste de curvas. Independentemente do material testado, a dispersão em dados de número de ciclos até falha tende a ser grande, uma vez que mesmo defeitos microscópicos na superfície de um componente podem influenciar apreciavelmente seu comportamento em fadiga. Para minimizar o impacto de tal imprecisão, faz-se necessário o uso de uma série de experimentos, usualmente 6 a 10, sob cada nível de carregamento considerado pertinente (Rösler et al., 2006).

3. A regra de Palmgren-Miner

A abordagem mais simples que podemos utilizar na modelagem de fadiga sob carregamentos variáveis é o uso de teorias de dano cumulativo. Como sugere o nome, estas modelam a fadiga de um material como um processo de acumulação, no qual cada sequência de carregamento variável consome uma fração da vida útil inerente ao material. Considere o carregamento de amplitude variável ilustrado na Figura 3a e a curva SN ilustrada na Figura 3b. Uma sequência de tensões de amplitude \displaystyle {{\sigma }_{{a1}}} é aplicada em um número de ciclos \displaystyle {{N}_{1}}; o número de ciclos até falha na curva SN para uma tensão \displaystyle {{\sigma }_{{a1}}} é \displaystyle {{N}_{{f1}}}. A fração da vida útil do material exaurida nessa sequência de carregamentos é \displaystyle {{N}_{1}}/\displaystyle {{N}_{f1}}. Suponha agora que uma tensão de amplitude \displaystyle {{\sigma }_{{a2}}}, correspondente a \displaystyle {{N}_{{f2}}} na curva SN, seja aplicada por \displaystyle {{N}_{2}} ciclos. Uma fração adicional \displaystyle {{N}_{2}}/\displaystyle {{N}_{{f2}}} da vida útil do material será consumida no processo. De modo análogo, a estrutura é submetida a uma tensão de amplitude \displaystyle {{\sigma }_{{a3}}} ao longo de \displaystyle {{N}_{3}} ciclos, consumindo uma fração \displaystyle {{N}_{3}}/\displaystyle {{N}_{{f3}}} da vida útil do material. A chamada Regra de Palmgren-Miner diz que uma falha por fadiga ocorrerá quando a soma das “frações de vida” \displaystyle {{N}_{j}}/\displaystyle {{N}_{{f\,j}}} for igual a 1:

  \displaystyle \frac{{{{N}_{1}}}}{{{{N}_{{f1}}}}}+\frac{{{{N}_{2}}}}{{{{N}_{{f2}}}}}+\frac{{{{N}_{3}}}}{{{{N}_{{f3}}}}}+...=\sum{{\frac{{{{N}_{j}}}}{{{{N}_{{f\,j}}}}}}}=1\,\,\,(6)

Figura 3. Carregamento cíclico de amplitude variável.

Exemplo 2

A curva SN de um material é descrita pela relação

\displaystyle \log N=10\left( {1-{{{{\sigma }_{a}}}}/{{\bar{\sigma }}}\;} \right)

onde N é o número de ciclos até falha, \displaystyle {{\sigma }_{a}} é a amplitude da tensão cíclica aplicada e \displaystyle \bar{\sigma } é a resistência monotônica à fratura – isto é, \displaystyle \bar{\sigma } = \displaystyle {{\sigma }_{{\max }}} quando N = 1. Um componente rotativo constituído deste material é submetido a 20,000 ciclos sob amplitude \displaystyle {{\sigma }_{a}} = 0.4\displaystyle \bar{\sigma }. Se o carregamento cíclico for intensificado a um valor \displaystyle {{\sigma }_{a}} = 0.6\displaystyle \bar{\sigma }, quantos ciclos adicionais o componente pode suportar antes de falhar em decorrência de fadiga?

Solução. Substituindo \displaystyle {{\sigma }_{a}} = 0.4\displaystyle \bar{\sigma } na equação dada e resolvendo para N, temos

\displaystyle \log N=10\left( {1-{{0.4\bar{\sigma }}}/{{\bar{\sigma }}}\;} \right)=10\times 0.6=6.0

\displaystyle \therefore {{N}_{{f1}}}={{10}^{{6.0}}}\,\text{ciclos}

Do mesmo modo, substituindo \displaystyle {{\sigma }_{a}} = 0.6\displaystyle \bar{\sigma } e resolvendo para N, vem:

\displaystyle \log N=10\left( {1-{{0.6\bar{\sigma }}}/{{\bar{\sigma }}}\;} \right)=10\times 0.4=4.0

\displaystyle \therefore {{N}_{{f2}}}={{10}^{{4.0}}}\,\text{ciclos}

Substituindo na regra de Palmgren-Miner, segue que

\displaystyle \frac{{{{N}_{1}}}}{{{{N}_{{f1}}}}}+\frac{{{{N}_{2}}}}{{{{N}_{{f2}}}}}=1.0

\displaystyle \therefore \frac{{20,000}}{{{{{10}}^{6}}}}+\frac{{{{N}_{2}}}}{{{{{10}}^{4}}}}=1.0

\displaystyle \therefore {{N}_{2}}=9800\,\text{ciclos}\leftarrow

O componente pode suportar mais 9800 ciclos sob tensão de amplitude 0.6\displaystyle \bar{\sigma }.

A principal limitação da Regra de Palmgren-Miner reside no fato de que esta ignora a ordem de aplicação dos carregamentos. Experimentos sugerem que a vida de um material – sobretudo metais – será mais curta do que prediz a regra se a amplitude dos ciclos iniciais for maior do que a amplitude dos ciclos subsequentes (Hosford, 2010). De modo semelhante, se os ciclos iniciais tiverem amplitude menor do que os ciclos posteriores, a vida do material pode facilmente exceder o valor indicado pela regra. De fato, a vida de um metal pode ser estendida por meio de ciclagem abaixo do limite de fadiga, um processo denominado coaxing.

Referências

  • HERTZBERG, R.W., VINCI, R.P. e HERTZBERG, J.L. (2013). Deformation and Fracture Mechanics of Engineering Materials. 5ª edição. Hoboken: John Wiley and Sons. 
  • HOSFORD, W.F. (2010). Mechanical Behavior of Materials. 2ª edição. Cambridge: Cambridge University Press. 
  • RÖSLER, J., HARDERS, H. e BÄKER, M. (2006). Mechanical Behaviour of Engineering Materials. Berlim/Heidelberg: Springer. 

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