1. O número de Froude
O chamado número de Froude é um parâmetro adimensional utilizado para caracterizar a natureza de escoamentos de superfície livre. Podemos defini-lo pela razão
onde V é a velocidade de escoamento, g 9.81 m/s2 e D é o diâmetro hidráulico. Sabendo que o diâmetro hidráulico é dado pela razão entre a área de seção transversal A e a largura superior B, podemos reescrever (1) como
Sabendo que a vazão Q é dada pelo produto entre velocidade V e área A, podemos reescrever (1) de ainda outra maneira:
Um escoamento é considerado crítico quando Fr = 1, subcritico quando Fr < 1 e supercrítico quando Fr > 1. A profundidade de um escoamento crítico – isto é, a profundidade para a qual Fr = 1 – é chamada profundidade crítica, yc. Podemos calcular a profundidade crítica para uma dada vazão Q em uma seção de canal substituindo as dimensões pertinentes em uma das equações (1) a (3), igualando o resultado a 1 e resolvendo a equação resultante. Esse processo é particularmente simples para canais de seção retangular (Figura 1); de fato, em um canal retangular com largura b, temos A = by e B = b, de modo que, substituindo em (3), obtém-se:
onde q = Q/b é a vazão por unidade de largura. Fazendo Fr = 1 e resolvendo para a profundidade crítica yc,
Observe que a profundidade crítica yc em um canal de seção retangular depende apenas da vazão unitária q.
Figura 1. Seção transversal retangular.
2. O diagrama de energia específica
Conforme discutido em cursos de fenômenos de transporte e mecânica de fluidos, a carga (energia) H associada a um escoamento é dada pela equação de Bernoulli:
onde p é a pressão, V é a velocidade, y é a elevação sobre o datum, é o peso unitário do fluido e g é a aceleração gravitacional. Supondo que a energia de um sistema se conserva entre dois pontos 1 (a montante) e 2 (a jusante), podemos escrever
Em escoamentos de superfície livre, o fluido em movimento geralmente está exposto à atmosfera, e a pressão atmosférica é geralmente suposta constante na escala inerente a tais escoamentos. Sendo assim, p1 = p2 e podemos cancelar a carga de pressão da equação (7):
A chamada energia específica é definida como a soma da carga cinética e a carga de elevação do canal. Denotando-a com a letra E, podemos escrever, para qualquer seção do canal,
Podemos substituir a velocidade de escoamento pela razão entre vazão Q e seção transversal A, ou seja,
Para um escoamento estacionário, a vazão Q é constante. Dessa forma. a única variável remanescente em (10) passa a ser a profundidade y; (a área de seção transversal A é ela própria uma função de y.) Podemos então plotar a equação (10) e obter a variação da energia específica E com a profundidade y; o gráfico assim obtido é denominado diagrama de energia específica (Figura 2).
Figura 2. Diagrama de energia específica.
O diagrama de energia específica revela que o escoamento deve ter uma energia mínima Emin para atravessar uma seção do canal com profundidade igual à profundidade crítica. Podemos derivar a equação (10) com relação à profundidade y e obter
Porém, conforme ilustrado na Figura 3, dA/dy = B, onde B é a largura superior:
Substituindo Q/A = V, vem
Mas a razão A/B é igual ao diâmetro hidráulico D:
A razão no lado direito é o quadrado do número de Froude:
Igualando esse resultado a zero, temos
Sendo assim, quando a energia específica atinge seu valor mínimo, o número de Froude é igual a 1 e a profundidade de escoamento é igual à profundidade crítica. Observando a Figura 2, vemos que o diagrama de energia específica pode ser dividido em duas regiões. A região superior representa o escoamento subcrítico, no qual as profundidades de escoamento são maiores que a profundidade crítica yc. Por sua vez, a região inferior representa o chamado escoamento supercrítico, no qual as profundidades são menores que yc. Consequentemente, observa-se que, para uma certa seção de canal escoando uma determinada vazão, existem duas profundidades com a mesma energia específica. Uma das profundidades é subcrítica e a outra é supercrítica; diz-se que as duas profundidades são denominadas profundidades alternadas (Chow, 1959).
Uma descrição qualitativa dos três tipos de escoamento é proposta na Tabela 1.
Figura 3. Largura superior.
Tabela 1. Classificação de escoamentos de superfície livre (Moglen, 2015).
Exemplo 1
O canal trapezoidal ilustrado a seguir possui seção com largura inferior b = 5 m e inclinação lateral m = 2 (1V : 2H). O canal carrega uma vazão de 5 m3/s. Plotar o diagrama de energia específica do canal para essa vazão; repetir para vazões de 10 e 20 m3/s.
Os cálculos de energia específica estão sumarizados na tabela a seguir; o arquivo .xlsx com os cálculos pode ser encontrado em nossa pasta de Google Drive. Os valores de profundidade na coluna 1 são escolhidos e utilizados para computar a área de seção transversal na coluna 2. Os valores de energia específica são calculados nas colunas 3 a 5. A largura superior é calculada na coluna 6. Os números de Froude são calculados nas colunas 7 a 9. Para exemplificar os cálculos, consideramos uma profundidade de 1 m sob vazão de 10 m3/s. A área de seção transversal (col. 2) é
A energia específica (col. 4) é
A largura superior (col. 6) é
Finalmente, o número de Froude (col. 8) é
Este ultimo resultado indica que o escoamento é subcrítico (Fr < 1). Os diagramas para as três vazões propostas são mostrados a seguir.
3. Energia específica em canais retangulares
Como observamos anteriormente, para canais retangulares é conveniente trabalhar com a chamada vazão unitária q = Q/b. Substituindo Q = qb e A = by em (10), temos:
Mas, pela equação (5),
Substituindo em (16), temos
Esse importante resultado indica que, para um canal retangular, a profundidade crítica é igual a dois terços da energia específica do escoamento crítico.
4. Diagrama de vazões
Observe que uma hipótese importante em nossa discussão acerca do diagrama de energia específica é que a vazão Q deve ser constante. Trabalhando de modo alternativo, podemos manipular a equação (10) e escrever
A equação (19) pode ser plotada para fornecer a profundidade y versus a vazão Q para uma energia específica E constante; o diagrama assim obtido, denominado diagrama de vazões, possui a forma ilustrada qualitativamente na Figura 4. Como mostra a figura, notamos que, para uma energia específica constante, duas profundidades de escoamento são possíveis para a mesma vazão. Uma das profundidades é subcrítica e a outra é supercrítica, de modo análogo ao que observamos no diagrama de energia específica.
Figura 4. Diagrama de vazões.
Exemplo 2
Reconsidere o canal trapezoidal especificado no exemplo 1. Plotar o diagrama de vazões para energia específica igual a 0.5 m. Repetir para energias específicas de 1.0 m e 2.0 m.
Os diagramas estão reproduzidos na figura a seguir. Os cálculos pertinentes estão no arquivo .xlsx mencionado no exemplo 1.
Referências
- AKAN, A.O. (2006). Open Channel Hydraulics. Oxford: Butterworth-Heinemann.
- CHOW, V.T. (1959). Open-Channel Hydraulics. New York: McGraw-Hill.
- MOGLEN, G.E. (2015). Fundamentals of Open Channel Flow. Boca Raton: CRC Press.